Mesmo com projeções de retorno real negativo, a poupança voltou a ser protagonista nas carteiras das pessoas físicas no primeiro semestre. O fermento para esse bolo veio do auxílio emergencial do governo para atenuar os efeitos da covid-19 no orçamento das famílias de menor renda.
A busca por aplicações mais conservadoras em meio ao revés dos mercados por uma parcela dos investidores também deu impulso ao CDB, com os bancos aproveitando para reforçar suas estruturas de captação. Já os fundos de renda fixa encolheram pelo impacto da taxa de administração na rentabilidade, num período em que a Selic alcançou sua mínima histórica, de 2,25% ao ano — e na quarta-feira desceu mais um degrau, a 2% ao ano.
Pelos dados da Anbima, os fundos de renda fixa alcançaram a menor participação da série histórica, desde 2011, destacou José Ramos Rocha, presidente do fórum de distribuição da entidade, que representa o mercado de capitais e de investimentos.
No varejo tradicional, a fatia caiu de 13,5% para 11,1% em 12 meses. Na alta renda passou a representar 27,1%, ante 36,1% de um ano atrás. No private banking saiu de 10,1% para 7,2%.
“Na time line dos últimos dois anos, os juros vêm caindo e ficou muito pesada a taxa de administração no retorno dos fundos de renda fixa”, disse Rocha em conferência com a imprensa. “Essa nova queda de 0,25 [ponto percentual] ontem [quarta] é mais um fator empurrando… as coisas não acontecem por um único motivo.”
Ele lembrou, contudo, que o setor vem se ajustando e promovendo a redução dos custos nas carteiras de renda fixa mais tradicionais. Para Rocha, a recuperação da captação que se viu em julho — interrompendo uma sequência de meses no vermelho, com ingressos de R$ 35,4 bilhões — tem relação com essa calibragem e também com o gap entre taxas longas e curtas.
“A curva de juros pode ter queda ainda, existe uma certa boca de jacaré entre a taxa de um ano e a de dez. Se o investidor acreditar que pode fechar, os fundos carregados em papéis longos num nível de taxa mais alta podem capturar ganhos”, disse. “O BC tem feito muito esforço para diminuir essa boca de jacaré.”
Com os estímulos do auxílio emergencial, que levou a abertura de contas de poupança e inflou os números gerais em quase 45 milhões em um ano, para 102 milhões no total, a caderneta ganhou participação relativa no estoque de investimentos.Ele lembrou, contudo, que o setor vem se ajustando e promovendo a redução dos custos nas carteiras de renda fixa mais tradicionais. Para Rocha, a recuperação da captação que se viu em julho — interrompendo uma sequência de meses no vermelho, com ingressos de R$ 35,4 bilhões — tem relação com essa calibragem e também com o gap entre taxas longas e curtas.
Mais dinheiro no porquinho
Os dados de julho, divulgados ontem pelo BC, mostram que essa tendência prossegue no segundo semestre. A captação líquida da caderneta foi de R$ 27,1 bilhões, o terceiro melhor fluxo de toda a série histórica que começa em 1995. Desde janeiro, os ingressos superaram os saques em R$ 111,6 bilhões.
Pelos dados da Anbima, em um ano, no varejo tradicional a participação da poupança passou de 67,1% para 68,8%. Na alta renda, em meio a busca por um porto seguro, a fatia cresceu de 12,1% para 13,8% entre junho de 2019 e de 2020. Nessa mesma toada, o CDB aumentou de 9,8% para 11% entre os indivíduos com maior poder aquisitivo.
No varejo tradicional, o CDB teve um incremento de 17,1% no primeiro semestre em relação a igual intervalo no ano passado. Na alta renda, a alta foi de 48,4%, e no private de 52,5%.
Rocha comentou que esse aumento também está ligado aos esforços dos bancos para reforçar o "funding" (captação) e a liquidez no sistema na modalidade que escoa para o crédito em geral. “Foi um papel importante mais no começo da pandemia”, disse.
Ele citou que o crédito cresceu 1% de maio para junho, conforme as últimas estatísticas do BC, e que mês a mês a carteira vem evoluindo. “Faz sentido que as instituições venham a captar e com ofertas em melhores condições para facilitar e dar melhores condições no custo de crédito na ponta.”
Quando se olha o conjunto, as aplicações da pessoa física nos segmentos de varejo e private banking totalizaram R$ 3,37 trilhões ao fim do primeiro semestre. Houve uma expansão de 3,4% em relação a dezembro de 2019.
A maior alta foi observada no varejo tradicional, de 10%, superando pela primeira vez a marca do trilhão, com R$ 1,07 trilhão. Na alta renda, o acréscimo foi de 0,8% dos volumes, para R$ 995,7 bilhões, enquanto no private houve uma ligeira queda (-0,1%), para R$ 1,31 trilhão.
O reforço nas classes de investimentos mais conservadoras não significa que o brasileiro abriu mão de diversificar para alternativas de maior risco. Na alta renda, a parcela em renda variável passou de 6,6% para 8,1%. No private banking, os fundos de ações respondiam por 7,6% do total do segmento no fim de junho, ante 6,7% 12 meses atrás. A aplicação direta em bolsa equivalia a 17,3% do total, saindo de 14,7% em junho de 2019.
Os multimercados, que também compram ações, representavam ainda maior parcela da alocação com 32,2%, em comparação a 31,1% de 12 meses atrás.
Olhando à frente, Rocha acha que com taxas reais negativas na caderneta e em fundos de renda fixa mais conservadores, que o investidor voltará a buscar aplicações com maior potencial de retorno e risco.
“No ‘share of wallet’ houve o aumento do porto seguro, mas em algum momento isso se estabiliza e o movimento começa a se inverter. Na poupança, como ela foi usada para os depósitos do auxílio emergencial, esses recursos vão sendo gastos pelas famílias porque o emprego não retorna ainda aos níveis de antes da pandemia e as pessoas vão consumindo essa reserva."
Fonte: Valor Investe