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Os prós e contras das diferentes formas do investidor pagar por aconselhamento

Quarta, 05 Agosto 2020

Em setembro de 2014 o escritório de agentes autônomos gaúcho Faz Capital se plugou à corretora Guide e passou a oferecer produtos da plataforma aos seus clientes. Um dos atrativos para ter escolhido a corretora foi a possibilidade de oferecer a eles duas formas de pagarem pelos serviços que recebiam: uma por comissionamento dos produtos pelos quais investiam (a mais difundida no mercado hoje) e outra por uma taxa sobre o patrimônio investido. Hoje, seis anos depois, metade dos clientes já pagam pelos serviços do escritório por uma taxa fixa (até o fim de 2014, 100% remuneravam por comissão). O escritório tem cerca de R$ 500 milhões sob gestão e escritório em São Paulo e Porto Alegre.

“Começamos a implementar esse modelo em 2014 porque vimos que isso é a nova tendência do investimento global”, conta ao Valor Investe Lucas Ferraz, sócio da Faz Capital, se referindo ao fato de que na Europa e nos EUA o modelo de taxa fixa já é predominante há alguns anos - na Inglaterra a cobrança de comissão não é mais permitida, inclusive. “Percebemos que ele (a taxa fixa) cria um laço mais estreito com o cliente, traz uma confiança melhor no nosso serviço porque o cliente vê o quanto o assessor custa para ele e devolvemos os rebates”, completa.

Os rebates a que eles se referem é a base do modelo de comissão. O assessor de investimento e a corretora recebem uma comissão pela distribuição do produto, assim como um corretor e vendedor de carros, imóveis e seguros, por exemplo. A diferença é que, no modelo de taxa fixa - o usado por consultores de investimentos e gestores de carteiras, por exemplo – as comissões dos produtos são devolvidas ao investidor e o serviço de consultoria é pago pelo cliente, por uma taxa acordada entre os dois, cliente e assessor.

“O que é mais vantajoso para o cliente vai depender muito do tipo de cliente e da estratégia de investimento adotada. A questão do patrimônio líquido é importante, mas tem muitas variáveis. Para alguém que movimenta muito a carteira, gosta de renda variável, a taxa fixa pode ser mais vantajosa. Mas se é alguém que mexe pouco e não arrisca muito, pode ser que o pagamento de comissão saia mais em conta. Nós apresentamos os prós e contras, mas é o cliente que dá a palavra final”, explica Ferraz.

A Guide, plataforma na qual a Faz Capital está ligada, já oferece as duas opções aos agentes autônomos de investimentos (AAIs) e clientes desde 2013. Segundo Alexandre Cassiani, head do B2B na Guide Investimentos, hoje entre 15% a 20% da base de clientes atendidos por AAIs pagam taxa fixa ou fiduciário, nome oficial no Brasil.

“Naturalmente existe a questão cultural do brasileiro ter mais dificuldade de pagar pelo serviço, mas isso está mudando no mercado financeiro. Sempre quisemos dar a opção para o cliente e assessor, até por uma questão de prover transparência e ter alinhamento entre assessor e cliente para definirem o que é justo de ser pago”, diz Cassiane.

Ele explica que a principal vantagem de deixar tudo às claras é que o cliente e o assessor têm interesse em ver o patrimônio crescer e que é o incentivo para que sejam oferecidos os produtos mais adequados é maior. Em média, os escritórios ligados à Guide que trabalham com a taxa fixa cobram entre 0,5% e 0,8% ao ano sobre o patrimônio investido dos clientes. Nesse formato a Guide divide com o AAI o valor pago e não recebe comissão de produto.

A Guide já tem há alguns anos os dois serviços, mas aproveitou as discussões recentes sobre conflitos de interesse levantadas pela briga entre XP e Itaú para reforçar com os escritórios de agentes autônomos essas possibilidades. Agora, a discussão ganhou um novo capítulo: a entrada da XP no modelo fiduciário.

O outro lado

No fim do mês passado, a XP confirmou notícias publicadas na noite interior, inclusive no Valor Investe, de que dará as duas opções de remuneração aos clientes dos escritórios de agentes autônomos a partir de setembro. A alternativa de taxa fixa, como Valor Investe apurou, deverá girar entre 0,5% e 1% ao ano sobre o patrimônio investido. Ao que tudo indica, só será devolvido a parte do rebate dos escritórios e não da XP, mas a empresa não entrou em detalhes ainda sobre o serviço.

“Para o cliente vai ser pior. O que está se falando é que a corretora vai abrir mão de uma receita que é do assessor para devolver para o cliente e não de sua parte. Não vejo as pessoas reclamando que o mercado de assessoria é caro. É o banco que tem CDB [título de dívida bancária] que paga 90% do CDI, que vende título de capitalização para pessoa que precisa de empréstimo”, comenta Alfredo Sequeira Filho, presidente do escritório de AAI DNAinveste.
Segundo uma simulação feita por Sequeira, uma pessoa que tenha o patrimônio de R$ 1 milhão para investir, alocados R$ 400 mil em aplicações de renda fixa, R$ 400 mil em fundos de investimentos e R$ 200 mil em bolsa de valores, no modelo de comissão, o investidor pagaria ao assessor de investimento R$ 1,8 mil, enquanto no modelo fiduciário, a uma taxa fixa de 0,5% e com devolução do rebate do assessor, sairia R$ 3,2 mil de custo ao investidor.

Vale ressaltar que apenas uma simulação hipotética e que ainda não foram divulgados detalhes de como o serviço vai funcionar na XP.

O Valor Investe procurou a ABAAI (Associação Brasileira de Agentes Autônomos de Investimentos) para entender sua opinião sobre os modelos de remuneração e o superintendente da associação, Francisco Amarante, respondeu que “o cliente é soberano, tanto para decidir com quem e onde investir, assim como qual a forma de remuneração que melhor se adeque ao seu perfil”, sendo que ambos os modelos são práticas conhecidas no mercado brasileiro e internacional. "Estimulamos o respeito às leis e a transparência nas relações comerciais dos intermediários e dos escritórios”, completou.

Para Marcelo Maisonnave, ex-sócio da XP e atual sócio da plataforma de investimento Warren, que optou por oferecer aos clientes apenas o modelo fiduciário, receber apenas pelo cliente é mais alinhado com o cliente e que, desta forma, a empresa está mais preparada para o futuro da intermediação financeira, que é para onde a indústria vai.

“No passado as instituições e bancos cobravam pela conta corrente, aí vieram Nubank, Banco Inter e outras fintechs com conta corrente taxa zero e se tornou o padrão. Agora no Brasil a renda fixa no CDI a 2% ao ano não tem mais margem. Em algumas contas digitais e no Warren a conta corrente já remunera 100% do CDI. Agora a nova renda fixa tem uma seleção de crédito privado, fundos imobiliários, e o consultor volta a ter valor. O serviço fiduciário de assessoria de investimento vai ter cada vez mais valor”, diz Maisonnave.

Ele critica o modelo da XP porque, em sua opinião, ao invés de diminuir o conflito de interesse, ele aumenta, já que coloca o cliente e o assessor de investimento um contra o outro e não abre mão da sua própria comissão. Em sua opinião, o ideal do modelo é só receber do cliente e não por produto vendido.

“O futuro é o carro elétrico, o Tesla, o carro a combustão vai ficar para trás. O legal das discussões recentes é que mais pessoas sabem da existência do carro elétrico e agora podemos discutir porque o carro elétrico é melhor, sendo que antes mal se falava do carro elétrico. Agora conseguimos falar sobre o modelo fiduciário”, afirma o executivo.

Ao Valor Investe, Gabriel Leal, sócio e diretor executivo da XP Investimentos, admitiu que, dependendo do tipo de produto que o investidor aplica, o modelo de taxa fixa pode sim sair mais caro do que o de comissão.

“Modelo de taxa fixa vai ser sim em taxa fixa mais cara. Para comprar fundo imobiliário ou investir em CDB ou Tesouro Direto, pagar 0,6% ao ano, por exemplo, de taxa fixa é mais caro”, disse ao Valor Investe. “Eu acho que colocar o modelo de taxa fixa como sendo o melhor para o cliente é um grande erro”, completa.

Ele explica que em países com taxa de juros baixas, como os EUA, que beira a zero, a taxa fixa pesa contra porque já é um custo a ser descontado de largada do investimento. Mas, ele acha importante para a casa dar essa opção para os clientes que não gostam do modelo comissionado.

“O modelo de taxa fixa surgiu para dar uma opção ao cliente para ele escolher a forma como se sente mais confortável em se relacionar com o assessor dele”, afirma.

Ele lembra que ao mesmo tempo do lançamento dessa alternativa, a XP também está abrindo os percentuais de comissões de seus produtos que ficam com os agentes autônomos.

“Na nossa visão, o modelo de comissão com transparência e ética é o modelo mais barato e mais alinhado com o cliente”, diz.
Ao ser perguntado sobre o porque da XP não devolver a comissão da plataforma (apenas dos agentes autônomos), Leal diz que a empresa só está dando outra opção de remuneração ao agente autônomo e que, até por isso, deve cobrar uma taxa menor do que a praticada no mercado, entre 0,5% e 1% bruto, mas que variam entre 0,30% e 0,60% ao ano quando descontado o rebate do assessor.

“O modelo que optamos por fazer é, ao invés do agente autônomo ganhar por comissão e produto, ele passa a ganhar por taxa fixa combinada pela corretora com o cliente. A taxa fica integralmente com o assessor. Por isso, a taxa vai ser menor para o cliente do que outras corretoras que devolvem outros repasses”, finaliza.


Fonte: Valor Investe