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Os ativos de risco seguem brilhando aos olhos do investidor

Sexta, 31 Julho 2020

Julho deve marcar o quarto mês consecutivo de valorização de ativos de risco no Brasil, com alta das ações, dos preços dos títulos públicos longos, além da redução dos "spreads" de papéis de dívida corporativa. O investidor segue para alternativas que balançam mais, mas que têm maior potencial de retorno, porque as mais conservadoras, atreladas a juros pós-fixados, têm se mostrado insuficientes para preservar o poder de compra.

A boa vontade para ativos de risco se refletiu, por exemplo, em todos os índices de ações. O Ibovespa subiu 10,5% só em julho (até dia 30), e desde o piso de 23 de março acumula ganhos de mais de 65%.

À primeira vista, tal desempenho dá a entender que o pior da crise provocada pela pandemia ficou para trás, mas vale lembrar que os efeitos colaterais ainda vão ser sentidos na economia. O PIB vai cair e o país já está às voltas com um quadro fiscal mais frágil. Com o freio, a lucratividade das empresas também será afetada. Mesmo assim, a bolsa está entre os principais ativos sugeridos por especialistas em investimentos. Ouro e dólar compõem a dupla de proteção.

Não dá para amenizar que a relação dívida/PIB brasileira encosta nos 100%, após os gastos do governo para compensar os efeitos da paralisação da atividade com a pandemia, diz Nicolas McCarthy, chefe de investimentos do private banking do Itaú. Hoje, as carteiras dos clientes da divisão de fortunas do banco carregam, principalmente, posições em bolsa e em juro real.

“Foi necessário fazer a ponte para as empresas e os desempregados durante o fechamento [da economia], para que quando voltem a trabalhar o governo saia do jogo”, diz. McCarthy.

Para ele, as articulações para a reforma tributária e, possivelmente, a privatização da Eletrobras, são uma sinalização positiva que veio antes do que se imaginava e que o Brasil não tem espaço para errar.

“País emergente não tem dinheiro em abundância para gastar. O número de 100 [a relação dívida/PIB] não é um problema. O problema é não trará-lo e ele ir para 110%, 130%, e daí vira exponencial”, diz McCarthy.

Com a recuperação dos mercados mundiais, os ativos no Brasil também andaram um pouco na frente da economia.

Tem recessão, mas...

A recessão para 2020 já está dada, mas McCarthy diz ser melhor lançar o olhar para dois ou três anos. O pano de fundo de juros baixos permaneceo que pode movimentar a compra de imóveis, permitir a alavancagem de empresas, e estimular mais movimentos de fusões e aquisições, eventos típicos de geração de riqueza.

Parece que há exagero, mas também não acho que seja 80 mil pontos [o Ibovespa], talvez seja 95 mil.” Sob a leitura de que a economia pode surpreender positivamente, o Itaú trabalha hoje com uma estimativa de 118 mil pontos para o Ibovespa no fim do ano.

Conforme as taxas caíam, os investidores diminuíram a parcela em juros e aumentaram na bolsa. A crise acelerou esse passo. “Talvez tenha sido a melhor oportunidade num horizonte de três a cinco anos”, diz McCarthy. Ele lembra que enquanto no Brasil investimento em bolsa representa cerca 10% da poupança da população, a média mundial é de 35%Localmente, dá para dobrar essa fatia. “É um movimento que vai levar alguns anos, não décadas.”

A renda variável no Brasil tende a ganhar combustível dos fundos de previdência, ainda muito concentrados na renda fixa de curto prazo, segundo Alfredo Menezes, executivo-chefe e de investimentos da Armor Capital. Com os juros no menor patamar da história, os investidores institucionais vão ter que se mexer, sob o risco de se tornar deficitários sem bater metas atuariais lá na frente. “Eles vêm alongando mais o perfil de dívida [na carteira] e alocando mais recursos em bolsa e ações como um todo.”

Outro reforço pode vir dos lançamentos de ações, em ofertas iniciais ou subsequentes. “Há em torno de US$ 4 bilhões, será um termômetro interessante para ver se o estrangeiro vai participar das colocações”, acrescenta Menezes.

Nas posições de bolsa, o gestor tem dado preferência a empresas com potencial de crescimento e que distribuem bons dividendos. “Uma companhia redonda hoje consegue tranquilamente pagar mais que juros reais no Brasil.”

Preços esticados

Algumas empresas vêm sendo negociadas, contudo, com preços esticados na B3, diz o executivo, movimento turbinado pelos juros muito baixos. Se antes o investidor perdia dinheiro na bolsa e corria para a renda fixa, e com 10% ou 15% ao ano de retorno conseguia recuperar o prejuízo, hoje já não há mais essa opção. “O 'cash' no Brasil está mudando muito. Há alguns exageros, mas também acho que os múltiplos tendem a mudar.”

Com os juros baixos no Brasil e no mundo, o time da Dhalia Capital tem uma cabeça positiva para ativos de risco em geral, mas não abre mão de ter uma dose de proteção na carteira, com posições em ouro, por exemplo. Com a injeção de liquidez equivalente a 13% do PIB mundial pelos bancos centrais, esse dinheiro tende a buscar crescimento em ativos reais: bolsa, metais, moedas, bens imobiliários, lista a sócia Sara Delfim.

A bolsa americana é uma das preferências da casa, pela expectativa de recuperação mais célere da economia dos EUA, e pelo foco em tecnologia, com mais empresas listadas.

No Brasil, a carteira expressa alguns temas. O primeiro deles, o de juros baixos, contempla posições no setor elétrico, com companhias com balanço forte e que podem pagar dividendos na casa dos 6% ou 7% ao ano, três vezes o atual CDI. Outro segmento avaliado é o de tecnologia. Entram nessa cesta o varejo on-line, como Magazine Luiza ou Mercado Livre, e também casos de inovação como WEG e Totvs.

A Dhalia também privilegia empresas de qualidade que já se provaram em crises passadas. Num cenário de retomada gradual, companhias pequenas e médias tendem a ter mais dificuldade para competir com as grandes, que têm melhor time de executivos e acesso a capital para acrescentar tecnologia. Ganham assim participação de mercado.

Tecnologia é a palavra

A crise acelerou algumas tendências seculares e o tema tecnologia passa a permear todo tipo de negócio, diz Rogério Poppe, executivo-chefe da ARX Investimentos. Por essa razão, empresas com esse viés têm apresentado performance melhor. A B3, cita, tem atraído investidores pelo aumento dos volumes de negociações, bem como as corretoras XP, negociada lá fora, ou o BTG Pactual na bolsa local pelo seu braço digital.

Para Menezes, da Armor, com a concorrência das novatas de tecnologia financeira, os custos dos serviços bancários tendem a cair bastante nos próximos anos. Se no passado, a vantagem era das instituições que tinham mais pontos de venda, agora será daquelas que conseguirem entregar a melhor plataforma para atender seus clientes. “São as que vão conseguir crescer e sobreviver”, afirma, evitando citar nomes pelo seu passado nas tesourarias do BCN e do Bradesco. A casa costuma combinar posições compradas e vendidas no setor.

Sob a avaliação de que o câmbio tende a ficar mais desvalorizado no Brasil, Poppe, da ARX, diz ter aumentado a exposição nas exportadoras, com empresas de mineração e de proteína, além de ter mantido siderurgia. Por ora, ele diz haver uma nuvem espessa que torna difícil enxergar para onde vai cada setor, o que ficará claro só quando houver a reabertura mais ampla da economia. “Como vai ser o comportamento do consumidor pós-crise?. O que vem antes: o emprego ou o fim do auxílio emergencial?”

O ouro é uma posição que a Dhalia carrega há bastante tempo, diz Sara, por se tratar de uma reserva de valor e pelo movimento dos fundos de pensão americanos de aumentar a participação nesses ativos. “Esses investidores têm 0,3% do patrimônio investido em ouro. Se dobrarem para 0,6%, 0,7%, é um volume suficiente para comprar todos os ETFs de ouro e mineradoras listadas.” Ela acrescenta que o ativo acaba sendo um bom "hedge" (proteção no jargão do mercado) para momentos de volatilidade. Apesar de não esperar muita turbulência da eleição americana, é um tipo de proteção bem-vinda se algo sair do trilho.

Além de bolsas e metais — a casa também carrega cobre —, a Dhalia tem desde o dia 1 do fundo posição em dólar na carteira, ficando mais ou menos exposta conforme as nuances do cenário macro global, diz Sara. Hoje, a moeda americana tem mais a função de proteção. A única classe que a gestora diz não gostar é a renda fixa no Brasil.

Juro baixo

O Copom tende a reduzir mais uma vez a Selic e depois parar por aí, diz Menezes, da Armor. “Se tiver juro abaixo do cupom cambial [o referencial de juro em dólar], o Brasil vai acabar exportando capital. Isso, o governo não quer.”

No primeiro semestre, o capital externo retirou US$ 31,3 bilhões de aplicações financeiras no Brasil, volume de saída recorde. Menezes lembra que a participação do estrangeiro na dívida pública já caiu significativamente nos últimos anos, de 20% para 9,3%, e que se o BC abusar até o investidor local vai debandar.

“Entendo que perder investimento especulativo é até saudável, mas país emergente precisa de poupança externa para crescer. O Brasil tem todas as condições para atrair capital desde que as reformas — política, tributária ou administrativa — passem.”

Na gestão do seu multimercado, o especialista tem preferido títulos de dívida soberana e de empresas brasileiras emitidos no exterior ao crédito local. São papéis de companhias semi-públicas como Petrobras e Banco do Brasil, que conseguem assegurar ganho de 1,5% a 2% ao ano acima do Tesouro IPCA+.

 

Fonte: Valor Investe