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Prepare-se, a temporada dos piores balanços dos últimos tempos chegou

Segunda, 20 Julho 2020

Olhar para o retrovisor às vezes é importante no mundo dos investimentos. A partir desta semana o mercado doméstico terá a oportunidade de entender a extensão dos estragos provocados pela crise da covid-19 nos balanços das empresas de capital aberto.

"Deve ser um dos piores trimestres da história, obviamente, por conta do novo coronavírus", afirma Henrique Esteter, analista da Guide Investimentos.
O prognóstico tenebroso de Esteter é justificado pelo fato de que o período entre abril e junho concentrou os efeitos mais danosos da covid-19 na economia diante das regras de distanciamento social que suspenderam - parcial ou totalmente - as atividades de alguns setores.

"Abril deve ter sido o pior mês de economia real, com o 'lockdown' mais forte por aqui. Em maio alguns lugares já começaram a reabrir e em junho muitos reabriram", observa Esteter.

Para Ricardo Cavalieri, analista de ações do BTG Pactual, os resultados serão importantes "termômetros". Com os dados em mãos, os analistas poderão traçar com maior assertividade as expectativas para as empresas para os próximos trimestres e anos.

"É natural que alguns setores tenham sido mais impactados do que outros. Os principais pontos a olhar é entender o impacto no faturamento com custos e despesas e, mais importante, as medidas que estão sendo tomadas pelas empresas nesse momento em que tiveram que buscar novas fontes de receitas e - algumas até - ir ao mercado captar recursos", diz Cavalieri.

Na avaliação de David Beker, chefe de economia e estratégia do Bank of America no Brasil, os dados serão importantes para avaliar quais companhias conseguiram aplicar boas estratégias no pior período da pandemia no país, se adaptar ao novo cenário e capturar resultados positivos.

"O trimestre pode não ser tão ruim quanto o estimado, mas marca o pior momento da pandemia e que já ficou para trás", disse Beker na última semana em teleconferência com jornalistas.

Setores
Os supermercados, como as redes comandadas por Carrefour e Pão de Açúcar, devem ser os menos impactados pela pandemia no setor de consumo, por se tratar de venda de itens de primeira necessidade.

"Vai haver uma dicotomia muito clara entre empresas de bens essenciais e não essenciais. Supermercados e empresas de alimentos vão divulgar resultados talvez recordes. Enquanto varejistas de vestuário e calçados e o setor de lazer devem ter os piores resultados pelos menos dos últimos 10 anos", diz João Dibo, analista de ações da Rio Bravo.

Ainda no consumo, empresas de vestuário, como Lojas Renner e C&A, tiveram que se adaptar ao novo momento e devem sentir mais forte o baque da crise. "Essas empresas tinham digitalização ainda escassa e do dia para a noite tiveram que mudar suas operações. Os balanços serão bons para o mercado conseguir compreender como ocorreu essa digitalização", diz Esteter.

Além das varejistas de consumo discricionário, ou seja, de itens não essenciais, Dibo acredita que os bancos devem ser prejudicados. "Vai haver provisionamento muito forte", diz.

Já o analista do BTG acredita que os valores para provisionamento para devedores duvidosos (PDD) podem vir em "patamares mais controlados" no segundo trimestre. O PDD é uma espécie de "seguro contra calotes".

No primeiro trimestre, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander fizeram - somados - o segundo maior PDD da história, com R$ 28,38 bilhões, segundo dados da consultoria Economatica.

A temporada de balanços americana já começou e os resultados dos bancos por lá têm sido menos piores do que o esperado.
"Os grandes bancos que estavam mais expostos a 'investment banking' (banco de investimento) performaram melhor do que aqueles que tinham exposição maior ao crédito. Essa deve ser uma tendência também para os nossos bancos", diz Cavalieri.

Ainda entre empresas do setor financeiro, a B3 "claramente surfa muito bem o momento porque o mercado está acelerado e com volumes muito fortes", segundo Cavalieri.

Na construção civil, as prévias operacionais já apresentadas por incorporadoras confirmaram a expectativa do mercado de expressiva diferença de desempenho de vendas para a baixa renda e para os padrões médio e alto no período. Empresas com predominância de atuação no programa habitacional Minha Casa, Minha Vida se saíram melhor.

O setor de e-commerce deve ser um dos destaques positivos do período. "O mercado já espera um bom resultado desse segmento, que pegou na veia essa aceleração na tendência de digitalização dos processos. Antes, boa parte da população não consumia via eletrônico, mas foram forçados a aprender a viver nessa nova realidade e, nesse sentido, o setor se beneficiou muito", diz o analista do BTG.

Para as empresas que já atuavam com os dois pés no e-commerce, como Via Varejo e B2W, Dibo acredita que dificilmente os balanços devem vir abaixo das expectativas, mas companhias multicanais - com atuação em lojas físicas e on-line - podem trazer alguma "decepção", já que grande parte das vendas ainda aconteciam no canal físico.

No setor de commodities, a valorização do dólar sobre o real terá impacto positivo sobre os resultados.
Do lado de empresas de proteínas, como Marfrig, JBS, Minerva e BRF, Cavalieri explica que a demanda é mais inelástica, ou seja, não mudou muito em relação a antes da pandemia.

"BRF tem maior exposição ao Brasil, mas as outras estão com exposição cada vez maior ao cenário internacional. Além do dólar alta, a febre suína que dizimou rebanhos na China aumentou a procura por carne brasileira. A Marfrig deve ter resultados recordes, com tendência positiva daqui em diante. Não deve ser um trimestre isolado", diz Esteter.

“Há coisas na vida que nos deixam de boca aberta e o resultado da Marfrig no segundo trimestre provavelmente será um deles”, escreveram os analistas do Credit Suisse, Victor Saragiotto e Felipe Vieira, em relatório divulgado na semana passada.

Já para a mineradora Vale, além do impacto do dólar em suas exportações, contribui positivamente a manutenção do preço do minério de ferro mesmo diante da queda na demanda pela desaceleração econômica em grandes países compradores, como a China. Com a redução dos casos de covid-19, a indústria chinesa já dá sinais de recuperação, o que é positivo para a Vale.

Ao mesmo tempo em que houve queda na demanda, a suspensão temporária no trabalho de mineradoras em observação às regras de distanciamento social também reduziu a oferta, o que ajudou a manter o preço do minério de ferro sem variações bruscas.

O dólar em alta também pesa positivamente na balança das companhias de papel e celulose, como Klabin e Suzano, destaca Dibo.

Sobre o endividamento das empresas, Esteter avalia que esse ponto do balanço não deve despertar grandes preocupações nos investidores.

"Mesmo as companhias que estavam em situação mais preocupante conseguiram encontrar financiamento a juros baixos. Todas buscaram se capitalizar e não vejo preocupação grande nesse sentido para nenhuma empresa", diz.

Teleconferências
Para além das linhas dos documentos dos balanços, os investidores devem acompanhar com atenção também as teleconferências realizadas pelas empresas após a divulgação dos números.

"Temos que ouvir da própria empresa como foram sentidos os impactos do pior momento do novo coronavírus, qual frente das empresas mais sofreu com tudo isso e quais foram as medidas para retomar receita", diz Cavalieri.

Para o analista, é um momento de reanalisar as companhias. "Entender como é o contexto atual e olhar a nova realidade das empresas daqui para frente. Ouvir da empresa o que eles mesmos estão esperando para os meses à frente. Se o pior já passou, se aguardam recuperação mais rápida", diz.

Esteter afirma que o tom das teleconferências deve de ser de que o pior passou e daqui para frente o movimento é de aceleração.

É esperar para ver.

 

Fonte: Valor Investe