Os Conselhos de Administração estão sob crescente pressão para diversificar sua posição social – incluir mais mulheres e minorias, bem como executivos com bagagem cultural e funcional diferentes – para melhor representar as pessoas que suas empresas empregam e atendem. Ao mesmo tempo, o entrave no preparo para a função nunca esteve tão grande: os conselheiros são cobrados quanto à habilidade para entender os negócios mais complexos, demonstrar um know-how técnico, mostrar governança eficaz e gerar um desenvolvimento sustentável de longo prazo.
O que os líderes que aspiram a funções no Conselho podem fazer para se preparar e alcançar o sucesso? Como desenvolver o que chamamos de predicados para participar do Conselho?
Infelizmente, as capacidades que impulsionam a carreira de um executivo C-Level não são as mesmas daquelas necessárias para se sentar à mesa principal, especificamente se a capacidade for a de um não-executivo, pois você não tem mais todas as vantagens do poder operacional à sua disposição. Tal fato talvez seja uma má – mas não, péssima – notícia para os candidatos óbvios ao Conselho; eles simplesmente terão de trabalhar para desenvolver as habilidades certas. Sem sombra de dúvida, é uma boa notícia para os candidatos não óbvios – ou seja, aqueles que não ascenderam ou não conseguiram ascender ao nível da alta gestão, que continua – de forma predominante – sendo controlada por homens e segregadores raciais em sua maioria. Precisarão se esforçar muito, também, mas podem começar em um campo menos desigual.
Charlotte Valeur, ex-banqueira dinamarquesa, que já presidiu três empresas internacionais e, ultimamente, está à frente do Institute of Directors no Reino Unido, afirma que “precisamos ajudar os novos integrantes dos grupos sub-representados a desenvolver a autoconfiança para atuar no Conselho e saber que” – embora a capacidade para a participação no Conselho requeira esforços para se desenvolver – “ isso não é uma ciência inacessível.”
Para entender melhor o que faz um executivo ser bem-sucedido nos dias atuais, realizamos entrevistas com mais de 50 membros de Conselhos que representam algumas das empresas mais importantes do mundo. Descobrimos que as habilidades para fazer parte de um Conselho são fundamentadas em cinco tipos diferentes de inteligência: financeira, estratégica, relacional, funcional e cultural. Essas categorias podem não ser nenhuma surpresa para você, mas é importante entender por que todas elas são necessárias e pensar em como se aprimorar em cada uma delas.
Os cinco tipos de inteligência
Inteligência financeira. Você se comunica em números, e não só em palavras? Os conselheiros não cumprem seus deveres fiduciários sem que formem, de maneira rápida, uma opinião sobre a estrutura de capital da empresa, a alavancagem financeira, a sustentabilidade dos fluxos de caixa, ou seu pacote de riscos. Esses fundamentos se tornaram ainda mais importantes após escândalos relacionados à auditoria e ao aumento de escrutínio por parte dos órgãos regulatórios. No entanto, esse mandato não exige que você tenha sido um CFO ou tenha realizado alguma auditoria. “Definitivamente, não é uma discussão acerca dos aspectos técnicos da contabilidade”, afirma Crawford Gillies, que atua como diretor sênior independente no Conselho da Barclays e da SSE, e tem funções de presidência em outras empresas dos setores público e privado. “Para mim, o assunto mais importante é ter a capacidade de interpretar um demonstrativo de resultados e utilizá-lo para entender o que acontece nos negócios: o que está ou não está indo bem.” Você pode querer recorrer a alguns velhos livros de contabilidade. No entanto, o mais importante é mostrar que você tem um conhecimento suficientemente bom sobre um balanço patrimonial para poder escutar um CFO com atenção, fazer perguntas inteligentes e responsabilizá-lo no caso de os números não estarem claros.
Inteligência estratégica. Entender tudo sobre finanças é um lado da moeda. Sendo assim, você sabe traduzi-las em uma estratégia e voltar aos números? Ruth Cairnie, ex-vice-presidente executiva de estratégia e planejamento da Royal Dutch Shell e ex-diretora não-executiva da Rolls Royce – atualmente presidente da Babcock e membro do Conselho da ABF – sinaliza a forma como conselheiros precisam pensar: “O pensamento estratégico presta a devida atenção às tendências principais e à realidade externa? Estamos agindo honestamente em relação ao posicionamento e à vantagem competitiva de nossos concorrentes? Há alguma ligação crível entre a estratégia e os números projetados? Ao garantir que os números fazem sentido, a conversa se volta a como a parte estratégica pode, no futuro, se igualar a um número que exceda a soma das áreas da contabilidade. Nos dias atuais, assuntos relacionados aos dados Ambientais, Sociais e de Governança Corporativa (ESG, na sigla em inglês) são prioridade máxima e uma área sobre a qual aspirantes ao Conselho devem ter total domínio. Em nossa pesquisa, identificamos quatro maneiras diferentes que os conselheiros usaram para forçar as empresas a entender, articular e mensurar o valor sustentável:
- Economia de capital (mercados financeiros)
- Experiência (proposta de valor ao empregado e ao cliente)
- Reciprocidade (com quem você faz negócios e como)
- Materialidade (entregar o que você diz que irá entregar)
A capacidade para fazer parte do Conselho envolve a responsabilidade de olhar além da realização de valor em curto prazo, ao que Joseph Bower e Lynne Paine descreveram como a saúde da empresa, e não, o seu valor.
É preciso, também, estar familiarizado com os novos modelos de negócio para desenvolver estratégias para cada setor (seja em serviços, software, tecnologia ou digital – para citar alguns exemplos recentes) e estar familiarizado em relação ao rápido ritmo de mudança que os Conselhos jamais enfrentaram no passado. Algumas empresas como a Guardian Media Group, no Reino Unido, se orgulham de ter condições de descartar e substituir seus planos estratégicos a cada 13 semanas. Como Fabiola Arredondo, diretora não-executiva da Burberry, Campbell Soup Company e da National Public Radio menciona, “no passado, os Conselhos realizavam uma reunião de planejamento estratégico uma vez ao ano. Atualmente, costumo ver Conselhos iniciando discussões estratégicas a cada reunião, com tópicos intensos, uma ou duas vezes por ano.
Inteligência relacional. Fazer parte do Conselho exige dar um passo para trás. Sua função é a de avaliar, incentivar e aconselhar, mas não de administrar. É preciso construir relações de trabalho bem-sucedidas com outros conselheiros, com os executivos do alto escalão e maior participação dos stakeholders, pois cada um deles tem sua própria experiência e opinião. No Conselho, onde o nível de pressão é alto e os egos numerosos, o sucesso advém da capacidade de se comunicar de forma clara com os outros e, talvez ainda mais importante, entender o que as pessoas estão tentando comunicar a você.
O ideal, segundo um dos nossos entrevistados descreveu, é “um grande time junto, todos de diferentes nacionalidades, diferentes partes do mundo e diferentes conhecimentos [atuando] como um só grupo e desfrutando disso.” No entanto, nem sempre essa é a realidade – observa Valeur – e as relações dentro do Conselho requerem uma gestão cautelosa. Ser eficaz envolve escutar com atenção e ser capaz de entender, processar, reagir de forma positiva e ajustar seu pensamento de forma rápida para o curso da conversa e às sugestões dos colegas, nas quais você não havia pensando anteriormente. “A única coisa a qual é preciso estar atento ao vir de um grupo menos representativo é que você está mudando o formato do Conselho, simplesmente por ser quem você é”, acrescenta ela. Valeur aconselha observar o comportamento das pessoas com mais tempo de casa enquanto ainda tem voz diferente.
Inteligência funcional Membros do Conselho devem ser claros ao contribuir para a conversa. Como um experiente membro detalhou, “Fazemos oito reuniões por ano. É provável que você tenha a oportunidade de fazer uma ou, com sorte, duas perguntas em cada reunião. Isso significa dez perguntas por ano; portanto, é preciso se assegurar de pensar no que constitui uma intervenção relevante.” Pergunte-se por que o selecionaram para o Conselho e em quais assuntos você pode agregar mais valor. Entretanto, Mike Clasper, da empresa Coats e, anteriormente, da empresa Which? declara que a parte mais difícil em ser um executivo não conselheiro não é fazer uma [primeira] pergunta sobre um problema de mau desempenho ou contestar a estratégia, mas sim, saber quando fazer a mesma pergunta outra vez.
Inteligência cultural Mary Jo Jacobi, ex-assessora sênior da presidência, ex-executiva sênior corporativa e, atualmente, membro do Conselho da The Weir Group e da Mulvaney Capital Management, afirma que a missão do presidente do Conselho é “criar um ambiente no qual os executivos têm disposição para contribuir, admitir que algo não está indo bem, e seguir as sugestões e diretrizes do Conselho para corrigir. É inapropriado criar um ambiente onde os executivos devem ser vistos como bem-sucedidos e corretos – e que tudo está indo muito bem – quando nem sempre esse é o caso.”
Qualquer conselheiro pode ajudar seu presidente nesses esforços. O nível de transparência, confiança e comunicação deriva de uma preparação cautelosa, da habilidade de avaliar, de forma rápida, a cultura de um grupo e, caso necessite de melhorias, elaborar um plano para encontrar aliados a fim de, lentamente, direcionar o grupo para a mudança. Como Ruth Cairnie alerta, “Já presenciei muitas empresas onde há pessoas muito capacitadas, mas que não extraem o seu melhor porque a dinâmica e a química não estão corretas.”
Como construir essas habilidades
A sabedoria de nosso grupo sugere que não é preciso ser o produto final antes de participar de um Conselho como parte da carreira. No entanto, se ser um conselheiro é uma de suas ambições, você tem de começar a adquirir uma experiência relevante em Conselhos o quanto antes.
Veja algumas maneiras de começar:
- Inteligência financeira: se ainda não começou, seja responsável pelo seu próprio P&L e analise de forma minuciosa como os ativos, investimentos e as alavancagens estão ligadas para nortear o Fluxo de Caixa Livre (FCF, em inglês) e participe das teleconferências de resultados.
- Inteligência estratégica: aumente sua exposição no modelo de negócio de sua empresa, entenda como ele está relacionado à sua estratégia e às operações e como as mudanças podem gerar (arriscar ou destruir) o valor econômico.
- Inteligência relacional: procure oportunidades de conversar e fazer apresentações ao Conselho e busque outras para a tomada de decisões dentro das unidades de negócio ou em funções externas. Observe e aprenda com aqueles que você considera especialistas. Garanta que você possibilita o sucesso de outras pessoas a partir de sua equipe.
- Inteligência funcional: concentre-se na função que você escolheu e onde você pode agregar mais valor. É possível colocar isso em prática em todas as reuniões e projetos. Imite aqueles que mostram a mesma precisão no trabalho e nas interações.
- Inteligência cultural: trabalhe na sua habilidade de ler, familiarizar-se e aprimorar a cultura de grupos diversos de colegas, participando de grupos multifuncionais, multissetoriais e multiculturais.
Refletir sobre qual tipo de membro do Conselho você quer ser também ajuda. Em nosso estudo, encontramos quatro abordagens comuns – embora a lista não esteja completa, e faltem algumas variações e combinações, inclusive a possibilidade de um membro do Conselho ter diferentes funções em situações diversas.)
- A polícia utiliza a crescente função regulatória que os conselheiros são obrigados a cumprir; os melhores convidam os executivos a prestar contas sem sobrecarregá-los com regulamentações e burocracia.
- Os data junkies (viciados em dados, em tradução livre) são fluentes em linguagem financeira, são altamente competentes e focados em metas. No entanto, precisam evitar exigir informações em demasia e agir com muita lógica fria em suas interações com colegas e executivos.
- Os arquitetos querem estabelecer fundamentos que sobreviverão aos mandatos dos membros do Conselho. Os bem-sucedidos reconhecem a estrutura tênue do equilíbrio e da flexibilidade, os retornos em curto prazo e as duradouras responsabilidades custodiantes e fiduciárias.
- Os pilotos veem tudo a nove mil metros de distância. Eles entendem e sabem expressar como criar, aprimorar, proteger e apresentar valor, mas precisam de vigilância para garantir a decolagem e os pousos suaves.
Por fim, sugerimos que você procure o aconselhamento de colegas e contatos e comente sobre seu desejo, aspiração e potencial para liderar a esse nível. Ao compartilhar seu currículo, seu conteúdo deve ser diferente daquele que você tem utilizado até este momento. Em vez disso, realce seu potencial e saliente suas capacitações em cada uma das cinco categorias da inteligência.
Fonte: Harvard Business Review