Notícias

Banco Central e Tesouro foram 'tímidos' para conter turbulência de mercados, diz economista-chefe do banco Safra

Quinta, 21 Junho 2018

O economista-chefe do banco Safra, Carlos Kawall, avalia que o Banco Central e o Tesouro Nacional atuaram - ao menos no início - de forma tímida para conter a pressão dos mercados num cenário já bastante difícil pela piora das condições externa e incerteza com o quadro eleitoral.

Nas últimas semanas, os ativos brasileiros enfrentaram forte turbulência - o dólar chegou a se aproximar de R$ 4. Para mitigar esse movimento, o BC injetou mais dólares no mercado e, assim, buscou conter a desvalorização do real, enquanto o Tesouro aumentou o programa de recompra de títulos com o objetivo diminuir a pressão no mercado de juros.

"Eles entraram tímidos demais, o que acabou fazendo com o que o mercado entrasse num estresse excessivo", afirmou Kawall em entrevista concedida ao G1. "Isso gera perdas nos investidores e depois eles se retraem, então há um menor apetite por risco."

Na avaliação de Kawall, ex-secretário do Tesouro, houve um descolamento dos preços dos ativos dos fundamentos da economia nesse período de turbulência, sobretudo porque o Brasil tem apresentado bons resultados no setor externo.

"Dado tudo o que ocorreu no contexto internacional, um dólar hoje a R$ 3,20, R$ 3,30, não parece ser mais o quadro. Mas não se justifica ele ter chegado perto de R$ 4. Os nossos fundamentos externos - balança comercial, fluxo de dólares - estão muito bons. Não era para tanto. "

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao G1.

Como o sr. avalia o quadro da economia neste ano?

O ritmo de crescimento da economia neste ano decepcionou. Hoje trabalhamos com um crescimento de 2%, mas já há um viés de baixa, entre outras coisas por causa da greve dos caminhoneiros.

É possível dimensionar o efeito da greve na economia?

Tem um efeito passageiro da greve, mas tem um efeito permanente. É a atividade que o Brasil perdeu e não recupera mais.
A gente avalia que o impacto é de 0,2 ponto percentual de subtração no crescimento do País. Agora, o que mais me preocupa é que estamos vivendo um aperto de condições financeiras.

Como o sr. avalia os últimos movimentos do mercado?

O que vivemos nas últimas semanas foi uma piora das condições financeiras. A bolsa de valores chegou a perder o patamar de 70 mil pontos. Isso desestimula operações do mercado de capitais, torna as empresas um pouco mais conversadoras. O risco-Brasil em alta também dificulta emissões lá fora. Tudo isso leva a um cenário de maior cautela no ambiente empresarial que já vinha sendo reforçado pela incerteza eleitoral e agregado a isso tem esse desfecho ruim da greve dos caminhoneiros.

Qual foi o problema com a negociação com os caminhoneiros?

Na verdade, o que o governo concedeu e compensou na área fiscal nem foi o problema. Mas a questão do frete está prolongando excessivamente (a questão). Isso gera um impacto inflacionário num prazo grande e um efeito negativo na atividade.

Esse movimento até passa, mas o que fica é algum abalo na confiança dos agentes econômicos e esse aperto nas condições financeiras.

A greve dos caminhoneiros foi o estopim para essa piora?

Foi um agravante. Lá fora tem a alta do dólar, o que fez com que o Banco Central adotasse uma postura mais conservadora na reunião de maio. A gente também começou a ver de abril para cá um maior desconforto do mercado frente ao quadro eleitoral em aberto e diante da pouca tração das candidaturas presidenciais de centro.

Isoladamente, a crise dos caminhoneiros não teria tido esse impacto, mas na esteira disso tudo, tomar um choque daqueles evidentemente não ajuda.
Antes da greve dos caminhoneiros já havia uma piora com a atividade econômica. O que frustrou?

O consumo não está vindo tão forte. O desemprego subiu muito, o nível de endividamento das famílias no Brasil ainda é relativamente elevado. Segundo, a incerteza eleitoral está se perpetuando por um período mais longo. Terceiro, a construção civil, seja na parte de imóveis residenciais ou comerciais, e, particularmente, na infraestrutura ainda não mostrou tração. E aí tem tanto o governo investindo pouquíssimo como o grande fracasso das privatizações do antigo governo que ficaram inviabilizadas pela Operação Lava Jato.


Toda essa turbulência obrigou o Banco Central e o Tesouro a atuar no mercado. Como o sr. viu essa resposta?

Eles entraram tímidos demais o que acabou fazendo com o que o mercado entrasse num estresse excessivo. O Tesouro demorou mais tempo para encarar de frente o problema. Foi um pouco reticente e houve uma piora muito grande nos mercados. Isso gera perdas nos investidores e depois eles se retraem, então há um menor apetite por risco. Até a bolsa, único mercado que não é diretamente influenciado por qualquer tipo de intervenção, acabou caindo mais, o que é ruim para o lado real da economia.

Os dois (BC e Tesouro) pecaram inicialmente pela timidez, depois corrigiram. Mas uma vez que o leite foi derramado é mais difícil os mercados voltarem a funcionar da maneira como estavam funcionando antes.
Houve um descolamento dos fundamentos da economia?

Dado tudo o que ocorreu no contexto internacional, um dólar hoje a R$ 3,20, R$ 3,30, não parece ser mais o quadro. Mas não se justifica ele ter chegado perto de R$ 4. Os nossos fundamentos externos - balança comercial, fluxo de dólares - estão muito bons. Não era para tanto. Outro agravamento nesse cenário foi a tese de que o Banco Central teria de subir os juros. Nós temos o regime de metas de inflação e subir os juros seria quase como uma violação dessa regra. Com as expectativas ancoradas, a atividade decepcionando e a inflação muito baixa, não faz o menor sentido falar em alta dos juros neste momento. Tudo isso também contaminou os mercados, causou uma pressão na curva de juros, no dólar, então houve um estresse financeiro maior do que ele deveria ter sido dado os nossos fundamentos.

O que pode ser feito diante desse quadro de tanta incerteza?

É preciso fazer uma transição (política) menos desfavorável possível do ponto de vista da atividade, tentar pelo menos normalizar os mercados e evitar uma piora adicional na confiança.

O grande ponto é o que será o dia seguinte da eleição, independentemente de quem ganha. Será um compromisso com a política econômica atual, com a reforma da Previdência ou não?
Qual é a avaliação do sr.? A Previdência vai sair?

Eu sou mais otimista do que a média porque os principais candidatos estão falando em alguma reforma da Previdência. Não há muito incentivo em alterar uma agenda que está garantindo alguma recuperação, juros e inflação muito baixos. A agenda (de reformas) coloca para o futuro presidente um dilema: se ele mexe em tudo isso ou se continua, que parece ser a opção mais provável. Isso remente a transição presidencial de 2002, a mais parecida com a atual. No final, a opção acabou sendo manter a política econômica prevalecente. É o cenário mais provável e a probabilidade da reforma da Previdência ocorrer é de 60%, 70%. Se você me perguntar qual será o presidente, não sei responder. Só estou achando que esse caminho parece o mais lógico e racional.

A dúvida é saber, então, é sobre a qualidade da reforma da Previdência?

Sim, o principal ponto é que reforma sai, o timing dela. Se pudéssemos até movê-la no Congresso antes do final do ano, melhor. Aí o governo ganha um fôlego para, com serenidade, atacar outras frentes, como a tributária. Tem várias agendas que são importantes até para crescer mais. Eu acho que será um alto custo rever as coisas que já foram feitas, como a reforma trabalhista, o teto de gastos. Se quiser começar desfazendo aquilo que foi feito, é a pior hipótese possível.

Qual será a consequência se essas políticas foram desfeitas?

Seria voltar para status quo anterior do qual você está tentando sair.

Os investidores enxergam esse cenário de que o próximo governo trará essa continuidade?

Acho que ainda há muita incerteza. Quando você faz um cenário, é preciso uma premissa. Agora, há muito ceticismo e o mercado reflete isso. As pesquisas, a pulverização dos candidatos cria muita incerteza.

O sr. citou a reforma da Previdência e tributária. O que mais tem de estar na agenda do próximo governo?

Dentro da agenda fiscal, há outras mudanças que precisam ser feitas. Por exemplo, abono salarial. Tem que ser revisto em sequência à Previdência. É difícil? É. É uma reforma constitucional. Tem outras coisas que o governo pode mudar em benefícios sociais como pensão por morte, seguro-desemprego. Será preciso dar um tratamento para o salário mínimo porque a lei (fórmula que leva em consideração o resultado do PIB de dois anos antes e a variação do INPC ) expira no começo do ano. O mais lógico é não prever aumento real durante alguns anos, deixar estreitamento ligado à inflação, que é o que a constituição já garante.

Há também o salário do funcionalismo. Não há outra alternativa a não ser deixar o funcionalismo sem aumento por algum tempo ou com alguma correção abaixo da inflação. E existem outras agendas que não são complexas do ponto de vista legal como a abertura econômica, reformas microeconômicas e privatização.

 

Fonte: G1