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Coronavírus acelera grandes tendências de investimento, mas Brasil fica para trás

Quarta, 10 Junho 2020

Há três anos, o banco suíço Credit Suisse começou a publicar uma pesquisa para embasar decisões de investimentos de seus clientes endinheirados: os "Supertrends" (ou, em português, as "supertendências") de investimentos. O objetivo é mapear onde estão os potenciais ganhos de valor, ou seja, quais áreas devem crescer em atenção e quais empresas podem capturar essa valorização nos próximos anos.

Neste ano, o banco não conseguiu deixar de fora um tema importante: o impacto do coronavírus. A conclusão foi, porém, animadora. A doença, apesar de ter prejudicado a economia global, acaba evidenciando a importância das cinco grandes tendências principais: capitalismo inclusivo; envelhecimento da população; infraestrutura; tecnologia a serviço das pessoas; e valores da geração do milênio. Também corrobora a decisão de incluir uma sexta tendência este ano, a de mudanças climáticas.

“Nós acreditamos que a pandemia está atuando como um acelerador de muitas das nossas 'supertendências' e ajudando as carteiras de investimentos com ações nessas áreas a terem uma performance acima da média mesmo em março, quando todos os mercados caíram”, comenta Daniel Rupli, analista do Credit Suisse responsável por Segurança, Ações e Crédito e um dos seis profissionais que fizeram o levantamento.

O executivo destaca que, dentro das grandes tendências, três ganharam ainda mais destaque na pandemia: a área de tecnologia, mercado para "millenials" e economia voltado à terceira idade.

A pergunta que o Credit Suisse faz é quais empresas se beneficiarão disso e podem, a longo prazo, se valorizarem. Em cada grande tema, o banco escolhe entre 25 e 40 ações de empresas listadas em bolsa ao redor do mundo que seja relacionada ao tópico. A lista de companhias na carteira não é aberta, mas o banco explica que é diversificada em termos geográficos, segmento de negócio e de ciclo de vida. O relatório cita alguns resultados que ilustram a boa performance mesmo no curto prazo.

O portfólio voltado para envelhecimento da população, chamado de Economia Grisalha, teve um retorno de 12,2% maior do que o mercado de ações global (índice MSCI World) no meio da turbulência do coronavírus do início de 2020 até abril. Já o portfólio de tecnologia se valorizou 9,4% mais. Outros dois grandes temas se destacaram em relação a média do mercado no período: ‘millennials’ (+7,5%) e ‘infraestrutura’ (+3,3%).

“Nós percebemos pontos em que o atual ambiente está conectado com os 'macrotemas', o que nos dá suporte para acreditar que as tendências de longo prazo são também relevantes no curto prazo”, diz Rupli.

A questão da tecnologia é um exemplo evidente de tendência que já é valorizada hoje. Durante a pandemia percebemos como ela pode nos ajudar a trabalhar de casa, a gerenciar equipes, a nos aproximar dos amigos, a vender produtos, a investir, a ter atendimento médico remoto, a pedir comida e produtos básicos, a fazer pagamentos e a também a praticar exercícios físicos. Dificilmente regrediremos no uso de tecnologia; pelo contrário, devemos ter cada vez mais serviços digitais em nosso dia-a-dia.

Segundo Michael Strobaek, diretor global de Investimentos do Credit Suisse, e Nannette Hechler-Fayd'herbe, diretora global de Economia e Pesquisa do banco, falam que a grande tendência de 'tecnologia a serviço das pessoas' é particularmente oportuna para dar a flexibilidade necessária agora, na vida e no trabalho. Os governos e empresas precisarão executar melhorias em larga escala nas infraestruturas para o trabalho remoto.

Negócios ligados ao aumento da mobilidade, automatização de processos, bem como a educação e o entretenimento em domicílio representam apenas algumas das oportunidades.

Brasil na lanterna

“Nós acreditamos que as 'supertendências' são especialmente interessantes para investidores de longo prazo. Como o mercado de ações brasileiro tem uma alta concentração de negócios tradicionais em setores como financeiro, materiais e energia, e é menos exposto a setores mais próximos às 'supertendências', como tecnologia e cuidados de saúde, isso é uma desvantagem na hora de atrair investidores de longo prazo”, comenta o analista de ações do Credit Suisse.

Mas nem tudo está perdido. Rupli explica que o Brasil tem potencial para deixar de ser um país ainda amplamente dependente de commodities, com a maior parte da atividade econômica e o crescimento ainda impulsionados por muitos setores da "velha economia".

“O Brasil tem muito espaço para melhorias e poderia se concentrar mais em temas como eletricidade sem emissão de carbono, transporte sustentável, negócios de vanguarda na transição do uso de petróleo e gás, reposicionando, assim, sua grande indústria de energia intensiva em combustíveis fósseis”, comenta Rupli.
Além disso, o analista cita ainda três subtemas que devem crescer em relevância nos próximos anos e nos quais o Brasil tem condições de se sobressair. O primeiro é a empregabilidade, que diz especificamente sobre o treinamento de pessoas para as novas habilidades e empregos do futuro, muito relacionados a tecnologia. O segundo é em segurança pessoal, como, por exemplo, a segurança cibernética, o uso de dados e compartilhamento de informações pessoais. Por fim, o terceiro é acessibilidade.

“Como o alto nível de endividamento público poderá limitar os gastos dos governos, os investidores terão uma função cada vez mais importante nesses esforços. As principais áreas de atuação incluem soluções que facilitem o acesso a moradia, educação e saúde, garantam a subsistência individual na velhice e possibilitem a manutenção dos empregos em um mercado de trabalho em rápida mudança”, aponta Reto Hess, diretor de ações, indústria e pesquisa em segurança, e um dos responsáveis pelo estudo, no documento.

Questões ambientais

O relatório incluiu este ano uma nova grande tendência: mudanças climáticas.

“A pandemia está causando impacto também sobre as emissões de carbono e dióxido de nitrogênio, que diminuíram em cidades e áreas industriais na Ásia e Europa, na comparação com as emissões do ano anterior. Esse fato reforça o elo entre atividade humana e mudança climática e poderia precipitar a descarbonização do crescimento econômico daqui para a frente. Nossa 'supertendência mudanças climáticas – descarbonização da economia’ mostra empresas que deverão se beneficiar da transformação nos setores de energia, transporte e agricultura nos próximos anos”, comentam a dupla Strobaek e Nannette na introdução do relatório.

O banco cita a estimativa da Organização Meteorológica Mundial da Organização das Nações Unidas que diz que, se não mudarmos a forma como consumimos e produzimos, a temperatura global provavelmente aumentará de 3° C a 5° C até o fim de 2100. Diante dessa perspectiva, governos ao redor do mundo intensificaram seus esforços para combater as mudanças climáticas e deram início a estratégias de transição energética para atingir os objetivos estabelecidos no Acordo de Paris de 2015.

Nessa área, as oportunidades estão em energia elétricas e solares, empresas com menor produção de carbono (ou até negativa) e a indústria alimentar como um todo. A alta concentração de carbono gerada para produzir proteína animal às pessoas é um dos temas mais controversos quando se fala em questões climáticas. Muitas empresas, inclusive tradicionais, estão investindo em carnes vegetais e este é um produto promissor na visão de especialistas.

Próximos anos

Perguntado pelo Valor Investe sobre quais dos grandes temas o Credit Suisse mais acredita que vão se valorizar mais rápido no médio e longo prazos, daqui três anos ou mais, Rupli responde que a equipe não tem um ou outro tópico de preferência na hora de montar o portfólio temático de ações. Cada grande tendência tem peso igual na carteira e que todas os seis são interessantes no longo prazo, na visão do executivo.

“Como os portfólios Millennials, Tecnologia e Economia Grisalha têm uma boa relação com ângulos relacionados à tecnologia e à área farmacêutica, a performance tem sido excelente. Já Infraestrutura e Sociedades ansiosas (relacionado a capitalismo inclusivo) têm foco grande em mercados emergentes, o que pesou no desempenho, mas têm potencial para se recuperar”, explica o analista.
Ele completa dizendo que Mudanças Climáticas tem um peso maior em setores industriais, materiais e de energia do que a referência do mercado global, consequentemente o desempenho relativo nos próximos anos depende desses setores.

Mas, algo que também é citado como uma tendência são os investimentos sustentáveis, ou ESG, relacionados a empresas que atendem critérios de responsabilidade ambiental, social e de governança corporativa. Este é um assunto que interessa em especial os mais jovens.

“O ESG, Investimentos Sustentáveis, nós colocamos no portfólio como um 'subtópico' da grande tendência de Millennials e nos comprometemos a ter uma seleção única de ações com grande pontuação no nível ESG. Vimos o desenvolvimento do ESG se tornando mais o padrão do que a exceção e estamos convencidos no Credit Suisse de que o ESG veio para ficar”, diz Rupli ao Valor Investe.

Indo além dos investimentos, a sustentabilidade é um valor das novas gerações e pode representar uma mudança importante da economia e negócios no futuro. O Cerdit Suisse cita, por exemplo, sobre o consumo de carnes.

Os veganos ainda representam uma pequena minoria nos países desenvolvidos, mas a geração Z e a geração do milênio são mais propensas a adotar uma alimentação à base de plantas ou vegetariana em decorrência de preocupações com o meio ambiente e a saúde. As preferências alimentares desse grupo estão em evolução e impulsionando, por exemplo, a venda de produtos que substituem a carne e os laticínios. Atualmente, até mesmo redes de fast food bastante conhecidas estão testando carnes e hambúrgueres à base de plantas em seus menus.

A geração do milênio também está ditando tendências em outras áreas – por exemplo, no setor de serviços por assinatura, como de música e vídeos em streaming e jogos on-line.

Para o banco, a internet das coisas e a inteligência artificial devem aprofundar ainda mais a conexão entre os modelos por assinatura e os ecossistemas digitais, criando uma economia circular para aplicativos de serviços. Cita como exemplo assinatura anual de sapatos, que permite que o consumidor troque seus calçados usados por um par novo todos os anos, ou ainda uma assinatura para receber um aparelho eletrônico cuja manutenção e reciclagem seriam feitas por uma empresa de conserto de aparelhos.

 

Fonte: Valor Investe