Notícias

Risco político atrapalha recuperação dos mercados de crédito privado e ações

Terça, 19 Maio 2020

Diferente de março, abril foi um mês mais “calmo”, dentro, claro, do possível. A incerteza sobre a duração da quarentena e os prejuízos que a pandemia do novo coronavírus trará para a economia brasileira ainda são incertos, mas não vimos um pânico nos mercados como março. O Ibovespa até subiu (cerca de 10%) no mês passado e, como mostra levantamento da Luz Consultoria feito para o Valor Investe, os títulos de crédito privado também tiveram queda de juro ofertado e consequente aumento de preço dos papéis no mercado secundário. A recuperação, porém, está sendo atrapalhada pelo agravamento da crise econômica e o aumento do risco político.

Ao que tudo indica, com a névoa da pandemia se assentando, ficou evidente outro problema que o Brasil enfrenta: um crescente risco político. O desentendimento entre os três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário -, especialmente causado por declarações e atitudes polêmicas do presidente da República Jair Bolsonaro, está mexendo com o mercado financeiro.

Na sexta-feira (15), o governo teve mais uma baixa ministerial: o ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, pediu demissão com menos de um mês no cargo. Isso tudo está trazendo mais volatilidade e incerteza em meio ao problemaço de saúde e econômico que o Brasil enfrenta.

Levantamento da POP BR, empresa da Luz Soluções Financeiras que acompanha os preços das debêntures no Brasil, mostra que, após uma ligeira melhora da volatilidade no mercado em meados de abril, as taxas de juros pagas pelos títulos de crédito privado voltaram a apresentar forte volatilidade após o dia 22 do mês passado.

“Os papéis começaram abril com uma tendência de melhora, mas este movimento permaneceu somente até o dia 22. Se compararmos as taxas pagas pelas debêntures neste dia com as taxas desta semana (semana passada) podemos ver um novo movimento de alta. Este aumento pode ser um reflexo direto da piora das expectativas e as crescentes incertezas internas”, destaca a consultoria.

A data coincide com os primeiros rumores de que o “casamento” político entre Bolsonaro e o ex-juiz Sergio Moro estava no fim. Dois dias depois, 24 de abril, Moro anunciou em coletiva de imprensa sua saída do ministério da Justiça e Segurança Pública. Também foi o dia (22/04) que começaram as especulações sobre possível saída de outro ministro, o super Paulo Guedes, da Economia.

“As taxas de juros pagas pelas debêntures chegaram a apresentar variações mais próximas da normalidade ao longo do mês de abril. Porém, nas últimas semanas, com o aumento das incertezas internas, nota-se um novo aumento das taxas. Como resultado, no acumulado entre fevereiro e maio, os juros ainda apresentam forte alta”, ressalta a consultoria ao Valor Investe.

Movimento parecido – de aumento de volatilidade no fim de abril – foi visto também na bolsa e no câmbio. Parte da explicação para o dólar estar flertando com os R$ 6 vem disso. No ano, o real brasileiro já é a moeda que mais se desvalorizou frente à moeda americana ao analisar as 44 principais economias desenvolvidas e emergentes. No ano, o dólar se valorizou 42% frente ao real.

Fica claro nos gráficos a seguir que, os dois mercados estavam mais calmos depois de uma forte turbulência em março. Mas voltaram a se estressar depois do dia 20 de abril, com investidores, analistas e operadores já prevendo problemas pela frente, possivelmente da ordem econômica e também política.

"O impacto político sobre o dólar é muito grande, sendo que as discussões entre os Três Poderes trazem insegurança jurídica para os investidores, que ficam muito receosos de aplicar seu capital e não ter a certeza de que terão um retorno. Após o pedido de demissão de Nelson Teich do Ministério da Saúde, a tendência do dólar continua sendo de alta. O risco político, aliado a situação do coronavírus, influência e muito essa alta", comenta Mauriciano Cavalcante, diretor de câmbio da Ourominas.

Ele já havia alertado para o impacto que os depoimentos de ministros e delegados no caso da suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal poderiam ter no câmbio.

Sobe e desce nas debêntures

No levantamento das debêntures indexadas ao IPCA, índice de inflação, entre abril e maio, as debêntures com rating ‘AAA’ (a melhor nota de risco de crédito) apresentam um aumento médio de apenas 0,16% nas taxas de juros oferecidas, contra uma alta de 40,05% registrada de fevereiro para março. Entre março e abril, houve uma queda de 8,53% no juro médio.

Vale explicar que o preço do título é indiretamente proporcional ao juro: se oferece juros mais altos, o preço fica menor e vice-versa. Desde antes da crise, no entanto, estes papéis ainda apresentam taxas em média 30,61% maiores.

Segundo Aruã Torigoe Kalmus, analista da POP BR, o movimento das taxas acompanha a volatilidade do mercado no último mês.

Os papéis com rating ‘AA’ apresentaram leve queda de 0,15% de abril para maio. Mesmo com este recuo e com a queda de 10,46% de março para abril, a variação média de fevereiro até maio é de 27,34%.

“Assim como outros ativos financeiros, os valores e taxas das debêntures ainda refletem as incertezas com a crise atual. Mesmo com a queda dos juros básicos da economia, os títulos privados ainda precisam pagar taxas elevadas para atrair investidores”, explica Kalmus.

Entre as debêntures analisadas, os papéis com rating ‘BBB’ apresentam aumento expressivo de abril para maio, com alta de 6,43%. As maiores quedas ficaram com as debêntures BB, com recuo de 2,39%.

Custos maiores para as empresas

É importante entender que o reflexo da crise política no mercado de crédito pode prejudicar justamente os empresários, quem o presidente vem defendendo ao desmerecer o isolamento social horizontal e declarar guerra aos governadores que estão instaurando lockdown. A alta de juros dos títulos de crédito significa, na prática, encarecimento de dívida quando as empresas precisarem emitir novamente papéis.

Segundo Aruã Torigoe Kalmus, analista da POP BR, o mercado secundário é um termômetro do humor do mercado. Ele explica que as taxas mais altas negociadas não impactam diretamente os custos da empresa, uma vez que ela paga pelo que está no contrato. Por exemplo: se a empresa emitir a IPCA+2%, é exatamente este percentual que ela deve pagar, independentemente se, no mercado secundário, o papel é negociado a IPCA + 7%.

Mas, o analista reitera que esta alta de juro implica que o risco aparente desse emissor está maior agora do que na época da emissão. Desta forma, no caso de uma nova emissão, essa empresa teria que pagar muito mais.

“Para os gestores de fundos, o preço dos ativos no mercado secundário é muito relevante. Como a posição das carteiras costuma ser grande principalmente em ativos de 'ratings' bons, a alta das taxas no secundário faz o valor da cota cair muito de um dia para o outro, o que pode levar a uma corrida de solicitação de resgates por parte dos investidores que estão com medo de perder dinheiro”, diz Kalmus.

E por que os juros subiram?

Esse pode ser um movimento natural observado em momentos em que a taxa de juros básica da economia cai e as empresas emissoras dos papéis precisam pagar mais para compensar essa perda natural de rentabilidade. Isso foi claramente visto no mercado de títulos privados em meados do ano passado e poderia ser esperado para agora, uma vez que a Selic já está na mínima histórica de 3% ao ano.

Mas, há claro outros fatores que podem mexer com os juros de papéis de dívida, como o risco de calote (de crédito). Com a piora da economia, em decorrência da crise do coronavírus, muitas empresas pararam operações inteiras, tiveram que demitir funcionários e ainda há pouca previsibilidade de quando o consumo voltará – e se voltará rápido ou lentamente. Isso pode comprometer a capacidade dessas companhias em pagar suas dívidas e, por isso, as agências de classificação de risco já revisaram os "ratings" das empresas brasileiras e estrangeiras incorporando mais risco de crédito.

Mas, o que pouca gente esperava é que fôssemos ver um brusco aumento no risco político, com o presidente Bolsonaro e governadores estaduais discutindo e se opondo publicamente, demissões de ministros, como o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta, o próprio Moro e agora, mais recentemente, o ex-ministro da Saúde Nelson Teich, que não fez nem um mês no cargo.

O presidente também critica as decisões do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) semanalmente, sem contar que está sendo investigado por suposta intenção de interferir na Polícia Federal para proteger a família de investigações em curso.

A XP Investimentos, em relatório publicado na quinta-feira passada (14), ressaltou o risco político como um dos fatores preocupantes para a economia, ao rebaixar sua previsão para o PIB (Produto Interno Bruto) de queda de 1,9% para recuo de 6% este ano.

Ao falar sobre o risco político, os analistas dizem que o quadro mudou bastante desde a última revisão das projeções econômicas. De lá para cá, por exemplo, houve a demissão de dois ministros (Saúde e Justiça) e a escalada do conflito do governo federal com governos locais.

Além disso, a especulação sobre a saída do ministro da economia Paulo Guedes piorou ainda mais a situação, depois de sua ausência na apresentação do lançamento do esboço do programa Pró-Brasil, plano de recuperação econômica pós-pandemia baseado em gastos públicos. O plano foi apresentado também no dia 22 de abril (dia de reinício da volatilidade do mercado de crédito) sem a presença de nenhum integrante da equipe econômica.

“A polarização política volta a crescer e a impactar ainda mais a confiança de empresários e consumidores. Esse contexto coloca o Brasil na contramão do mundo”, diz a XP no relatório.
Para os analistas do Bank of America (BofA), as revisões de previsão para o PIB brasileiro incorporam também um risco político maior.

"Esperamos que o ruído político permaneça alto enquanto o Procurador Geral da República (PGR) ouve testemunhos e coleta evidências para decidir se apresentará uma acusação formal contra o presidente Bolsonaro no Congresso. O barulho político pode afetar a agenda de reformas e o processo de normalização fiscal no próximo ano. Isso manterá o real sob pressão no curto prazo", afirmam.

Outro receio que se ouve no mercado é que a entrega de cargos ao ‘Centrão’, como é chamado o grupo de parlamentares fisiológicos, sem orientação programática definida, pode prejudicar a pauta econômica fiscalmente responsável de vez.

Em relatório divulgado no dia 12 pela consultoria Gavekal, o economista Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, nota que à medida que Bolsonaro tenta reforçar suas defesas no Congresso com o Centrão, aumenta o risco de que isso enfraqueça a pauta econômica com a qual se elegeu. “Essa dinâmica política poderia minar o ministro reformista Paulo Guedes e possivelmente desencadear sua saída do governo”, diz.

Castelar até aconselha os investidores a evitar a “casa em chamas” do Brasil. “Neste momento, é melhor deixar o Brasil para especialistas, malucos, oportunistas de longo prazo e para aqueles sem outras opções.”

Maiores altas e maiores baixas

A POP BR também levantou ainda as debêntures que apresentaram as maiores oscilações no ano. A análise considerou uma base com 305 debêntures, independente do rating. Foram observados os preços dos papéis no início de janeiro, em comparação com a cotação do dia 12 de maio.

O destaque foi a queda acumulada de 35,76% na debênture emitida pelo Grupo IMC - International Meal Company Alimentação S.A, formado por marcas como Frango Assado, Viena e Pizza Hut.

Já entre as debêntures que mais valorizaram no período, as oscilações foram bem menores, ficando abaixo de 1%.

 

Fonte: Valor Investe