Forçado a fechar as portas de repente em função do isolamento social imposto pela crise do coronavírus, o comércio varejista brasileiro de produtos não essenciais não é ameaçado apenas pela falta de movimento nas ruas. Preocupam também as compras que já foram feitas, mas ainda estão sendo pagas.
Levantamento do Meu Crediário – sistema de análise de crédito e cobrança que atende diversos segmentos varejistas -, a que EXAME teve acesso com exclusividade, revela que a inadimplência dos clientes cresceu 25% do dia 1º ao dia 23 de março em comparação ao mesmo mês do ano passado.
O número de pagamentos em atraso explodiu no fim desse período, já que, na sexta-feira (20), a alta anual ainda era calculada em 10%.
De 2018 para 2019, essa mesma comparação havia mostrado uma queda de 16,8% no número de carnês em aberto.
A pesquisa foi feita com 1.000 parceiras do Meu Crediário de todo o Brasil, compostas, em sua maioria, pelos segmentos de vestuário, calçados e óticas. O sistema conta também com lojas de materiais de construção e móveis.
“Vivíamos um momento de recuperação da inadimplência, que desde o fim de 2018 mostrava melhora não só em função do avanço da economia, ainda que lento, mas também do mercado de trabalho formal”, diz Rodolpho Tobler, coordenador da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV). “O cenário mudou totalmente nas duas últimas semanas com novas previsões apontando para contração do PIB e muito possivelmente aumento do desemprego”.
O levantamento aponta ainda uma queda de 58% no número de consultas de CPFs feitas na semana de 16 a 21 de março em relação ao período anterior, de 09 a 14 . “Mesmo nos estados que ainda mantém as lojas abertas, já se vê que os consumidores estão evitando aglomerações e alguns cortam a intenção de compra até mesmo pelo receio de não conseguir honrar os compromissos financeiros no futuro”, diz Jeison Schneider, cofundador do Meu Crediário.
Retomada difícil
Uma vez perdido, o poder de compra dos consumidores pode ser difícil de recuperar. “A renda do trabalhador vai estar muito comprometida nos próximos meses com contas primárias de sobrevivência. É esperado que essa inadimplência cresça, ainda mais porque quem já procurava emprego não deve conseguir num primeiro momento quando a atividade for retomada”, diz Tobler.
Da última vez que o mundo viu uma crise de grande magnitude, há pouco mais de 10 anos, a maior preocupação era com a inadimplência das empresas, devido à escassez de crédito que se instaurou sobretudo no Brasill. Agora, no entanto, o cenário é pior sob o aspecto da inadimplência da pessoa física “e a probabilidade de aumentar está ligada à duração da quarentena”, diz Marcel Solimeo, economista da Associação Comercial de São Paulo.
Solimeu explica que a inadimplência se torna mais díficil de ser combatida com o tempo porque as dívidas de espalham: “As pessoas não contraem uma só, costumam deixar de honrar compromissos com a, b, c e d. Então, limpar o nome leva tempo, mas tudo depende do nível de recuperação da economia. Não se trata só de acabar a quarentena. Passivos estão sendo acumulados nesse período”, diz o economista,
Diante desse cenário, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de São Paulo (Fecomercio-SP) soltou um comunicado nesta semana recomendando aos varejistas de bens duráveis e semiduráveis que não ampliem seus estoques: “Não é o momento de investir, endividar-se ou assumir compromissos no longo prazo”.
A alternativa sugerida pela entidade é que as empresas preservem seu fluxo de caixa e arquem com os gastos fixos, se preciso, por meio de empréstrimos: “é preferível um crédito bem contraído e planejado a deixar de pagar os compromissos, tornar-se inadimplente e ter que correr atrás de juros”.
Fonte: Exame