Em uma das mais complexas decisões da sua história, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) anunciou nesta quarta-feira, 18, um corte de 0,50 ponto percentual na taxa Selic, que foi de 4,25% ao ano a 3,75%. A decisão foi unânime e era esperada por grande parte do mercado.
Em seu comunicado, o comitê ressalta que, se por um lado, o nível de ociosidade da economia — agravado pela pandemia de coronavírus no munco —, pressiona a inflação para baixo, de outro, a deterioração do cenário externo ou frustrações em relação à continuidade das reformas de ajuste fiscal podem fazer a pressão oposta nos preços.
“Aalterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas têm o potencial de elevar a taxa de juros estrutural da economia. Nessa situação, relaxamentos monetários adicionais podem tornar-se contraproducentes se resultarem em aperto nas condições financeiras”.
Nesse trecho, fica clara a sinalização do comitê, na opinião de André Perfeito, economista-chefe da Necton, sobre sua intenção não só de encerrar o ciclo de cortes, como de, eventualmente, anunciar novas altas nos juros.
“Damos como certo que não há clima algum para se fazer as reformas estruturais da economia brasileira agora, a agenda política e o coronavírus impedem acordo sobre isso neste momento. Logo, o BCB irá parar de cortar a taxa básica”, diz Perfeito em nota.
A opinião sobre o encerramento nos cortes, porém, não é unânime. Para a Guide Investimentos, o Copom voltou a enfatizar a importância de manter a cautela na condução da política monetária mas, diferente da última reunião, deixou as portas abertas para futuros cortes ao mencionar que “o Comitê reconhece que se elevou a variância do seu balanço de riscos e novas informações sobre a conjuntura econômica serão essenciais para definir seus próximos passos.”
A corretora ressalta ainda o fato de o comitê ter mencionado no comunicado que fará uso de todo seu arsenal de políticas cambiais, monetárias e de estabilidade financeira para lidar com a atual crise.
O BC começou a semana sob pressão por novos cortes na Selic, após o Fed, banco central dos Estados Unidos, anunciar no domingo a sua segunda redução emergencial na taxa de juros americana em menos de 12 dias, fazendo com que a banda fique próxima de zero. Assim como outros países, os EUA tomaram a decisão para aumentar a liquidez no mercado em meio à crise gerada pelo avanço de coronavírus no mundo.
Quado se reuniu pela última vez para decidir sobre a Selic, em fevereiro, o comitê sinalizou que encerraria o ciclo de cortes – iniciado em julho de 2019, quando a taxa estava em 6,5% -, mas o cenário mudou bastante desde então com a pandemia, que mudou as perspectivas da política monetária dos bancos centrais.
A pandemia ameaça o comércio internacional, o turismo, decisões de gastos dos consumidores, os estoques da indústria e altera os fluxos de capital. “É uma camada extra de complexidade à política monetária brasileira”, diz o Goldman Sachs em relatório desta quarta.
Veja o comunicado na íntegra:
Em sua 229ª reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, por unanimidade, reduzir a taxa Selic para 3,75% a.a.
A atualização do cenário básico do Copom pode ser descrita com as seguintes observações:
No cenário externo, a pandemia causada pelo novo coronavírus está provocando uma desaceleração significativa do crescimento global, queda nos preços das commodities e aumento da volatilidade nos preços de ativos financeiros. Nesse contexto, apesar da provisão adicional de estímulo monetário pelas principais economias, o ambiente para as economias emergentes tornou-se desafiador;
Dados de atividade econômica divulgados desde a última reunião do Copom vinham em linha com o processo de recuperação gradual da economia brasileira. Entretanto, esses dados ainda não refletem os impactos da pandemia de COVID-19 na economia brasileira;
O Comitê avalia que diversas medidas de inflação subjacente se encontram em níveis compatíveis com o cumprimento da meta para a inflação no horizonte relevante para a política monetária;
As expectativas de inflação para 2020, 2021 e 2022 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 3,1%, 3,65% e 3,5%, respectivamente;
No cenário híbrido, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio constante a R$4,75/US$*, as projeções do Copom situam-se em torno de 3,0% para 2020 e 3,6% para 2021. Esse cenário supõe trajetória de juros que encerra 2020 em 3,75% a.a. e se eleva até 5,25% a.a. em 2021; e
No cenário com taxa de juros constante a 4,25% a.a. e taxa de câmbio constante a R$4,75/US$*, as projeções situam-se em torno de 3,0% para 2020 e 3,6% para 2021.
O Comitê ressalta que, em seu cenário básico para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções.
Por um lado, o nível de ociosidade pode produzir trajetória de inflação abaixo do esperado. Esse risco se intensifica caso um agravamento da pandemia provoque aumento da incerteza e redução da demanda com maior magnitude ou duração do que o estimado.
Por outro lado, o aumento da potência da política monetária, a deterioração do cenário externo ou frustrações em relação à continuidade das reformas podem elevar os prêmios de risco e gerar uma trajetória da inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária.
Considerando o cenário básico, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, reduzir a taxa básica de juros em 0,5 ponto percentual, para 3,75% a.a.
O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante, que inclui o ano-calendário 2020 e, principalmente, de 2021.
O Copom reitera que a conjuntura econômica prescreve política monetária estimulativa, ou seja, com taxas de juros abaixo da taxa estrutural.
O Copom enfatiza que perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia. O Comitê ressalta, ainda, que questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas têm o potencial de elevar a taxa de juros estrutural da economia. Nessa situação, relaxamentos monetários adicionais podem tornar-se contraproducentes se resultarem em aperto nas condições financeiras.
O Copom entende que a atual conjuntura prescreve cautela na condução da política monetária, e neste momento vê como adequada a manutenção da taxa Selic em seu novo patamar. No entanto, o Comitê reconhece que se elevou a variância do seu balanço de riscos e novas informações sobre a conjuntura econômica serão essenciais para definir seus próximos passos.
O Banco Central do Brasil ressalta que continuará fazendo uso de todo o seu arsenal de medidas de políticas monetária, cambial e de estabilidade financeira no enfrentamento da crise atual.
Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto Oliveira Campos Neto (presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Fábio Kanczuk, Fernanda Feitosa Nechio, João Manoel Pinho de Mello, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso e Paulo Sérgio Neves de Souza.
Fonte: Exame